2020
28
Sep

Covid-19

Preocupados pela pandemia, casais japoneses querem proteção legal

A pandemia de coronavírus aumentou a angústia sentida por casais japoneses solteiros em relacionamentos de longo prazo pois, caso algum dos companheiros fique doente, eles não terão os mesmos direitos que os casados.

Desconfortáveis ​​em abrir mão de seus respectivos nomes de família, os casais sentem que a única opção é permanecer em união estável. Por esta razão, eles querem uma mudança no código civil que lhes dê reconhecimento legal como uma família, mudando a exigência de que os casais japoneses compartilhem um sobrenome.

“Nós preparamos nosso documento de casamento imediatamente após a declaração de uma emergência nacional contra o vírus em abril”, disse uma enfermeira de 46 anos que está com seu marido em união estável há 19 anos, olhando para o documento quase todo preenchido, mas com o espaço para o sobrenome ainda em branco.

Os maridos ou esposas japoneses podem usar o sobrenome dos cônjuges mas, de acordo com o Ministério do Trabalho, 96% das pessoas que renunciam ao sobrenome são mulheres.

A enfermeira disse que seu sobrenome é parte integrante de sua identidade: ela construiu sua vida profissional com o nome que sempre conheceu, incluindo a publicação de textos sob ele, e mudar pareceria “ser cortada de sua carreira”, especialmente sem garantias de que os empregadores permitiriam que ela mantivesse seu nome de solteira.

O marido dela também não queria mudar o dele e, por respeito mútuo, eles se sentiram obrigados a seguir o caminho da lei comum. Seus três filhos têm o nome do marido e a família nunca sentiu que ter nomes diferentes os tornava menos unidos, um argumento frequentemente defendido por legisladores conservadores que fizeram campanha para manter o status quo enquanto controlavam a política por décadas.

A falta de vínculos legalmente reconhecidos a impossibilitou de reivindicar deduções fiscais do cônjuge e as preocupações com os direitos dos pais e de herança permanecem. Mas a nova pandemia de coronavírus aumentou a tensão e a determinação para lidar com o problema: se algum deles for hospitalizado pelo vírus, ela teme que seja difícil persuadir o hospital a compartilhar atualizações de saúde importantes.

Eles podem ter a hospitalização como família recusada, podem ser impedidos de receber informações críticas sobre o tratamento ou ser incapazes de assinar o consentimento para tratamentos médicos em nome do outro, caso haja justificativa. Contudo existem outras preocupações: como o marido dela tem direitos parentais, uma morte repentina a deixaria sem nenhum direito legal sobre os filhos, colocando estes em uma posição vulnerável.

“Se há pessoas que querem ter os mesmos sobrenomes, elas podem ter o sobrenome. Mas é estranho forçar as pessoas a mudarem de nome quando são contra isso”, disse a enfermeira.

Shuhei Ninomiya, doutor em Direitos de Família pela Universidade Ritsumeikan em Kyoto, disse que os casais podem preparar documentos como notificações de cônjuge, escrituras autenticadas e certificados de residência para tentar provar o casamento por união estável em caso de emergência. Mas “não há garantia que (o governo) aceitaria e isso não resolve o problema fundamentalmente”, disse ele.

Um grupo de cidadãos com sede em Tóquio disse que recebeu várias ligações durante a pandemia de pessoas preocupadas sobre o que fazer em caso de circunstâncias imprevistas, muito parecidas com as preocupações da enfermeira, nas quais não são legalmente reconhecidos como uma família.

“A pandemia tornou o problema mais pessoal. Quero que o público fique mais atento para que todos possam conviver com os sobrenomes que escolheram”, disse Naho Ida, 44, o diretor executivo do grupo.

A exigência – considerada obsoleta por muitos – surgiu durante o período Meiji, quando a sociedade colocava grande ênfase em grupos em vez de indivíduos, como explicou Masayuki Tanamura, professor da Universidade Waseda, o qual acredita que a lei deve refletir unidades familiares modernas.

Grande parte do público japonês parece concordar, de acordo com uma pesquisa do Cabinet Office de 2017. Dos quase 3.000 entrevistados, 42,5% apoiaram a mudança da lei da família para que os indivíduos pudessem manter seus sobrenomes após o casamento, excedendo os 29,3% dos entrevistados que discordaram.

Mas uma decisão da Suprema Corte em 2015 declarou que não havia tratamento preferencial entre homens e mulheres no código civil em relação aos sobrenomes de casais, determinando que a sentença era constitucional. Neste mês, a Suprema Corte de Hiroshima rejeitou um recurso de uma médica em um processo contra o governo para reconhecer seu nome de solteira, mantendo a primeira regra e rejeitando o recurso da reclamante, declarado inconstitucional.

O juiz do caso disse: “é necessária uma consideração cuidadosa ao mudar o sistema. Há um significado definido para os casais terem os mesmos sobrenomes,” acrescentando “você não pode dizer que a regra vai tão longe a ponto de restringir um casamento injustamente.”

Por outro lado, com base no fato de que o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres emitiu uma recomendação para mudar o sistema, o juiz acrescentou: “Espero um debate sério sobre o assunto no Kokkai.”

Apesar dos esforços para mudar, tem sido difícil perfurar o bloco de legisladores conservadores que governaram o poleiro político por décadas, argumentando o tempo todo que casais com nomes diferentes levam famílias menos unidas.

No entanto, pequenas fissuras parecem ter surgido nas fileiras conservadoras do Partido Liberal Democrata. O recém-empossado primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, disse recentemente que o tópico precisa de “discussão cautelosa” e legisladores como Tomomi Inada têm sido relativamente eloquentes sobre a necessidade de mudança.

A organização de cidadãos, criada em 2018, afirma que tem crescido a frequência às sessões de estudos sobre o tema para as quais convidam especialistas e legisladores, incluindo os de tendência conservadora.

© KYODO

 
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