A pandemia de coronavírus aumentou a angústia sentida por casais japoneses solteiros em relacionamentos de longo prazo pois, caso algum dos companheiros fique doente, eles não terão os mesmos direitos que os casados.
Desconfortáveis em abrir mão de seus respectivos nomes de família, os casais sentem que a única opção é permanecer em união estável. Por esta razão, eles querem uma mudança no código civil que lhes dê reconhecimento legal como uma família, mudando a exigência de que os casais japoneses compartilhem um sobrenome.
“Nós preparamos nosso documento de casamento imediatamente após a declaração de uma emergência nacional contra o vírus em abril”, disse uma enfermeira de 46 anos que está com seu marido em união estável há 19 anos, olhando para o documento quase todo preenchido, mas com o espaço para o sobrenome ainda em branco.
Os maridos ou esposas japoneses podem usar o sobrenome dos cônjuges mas, de acordo com o Ministério do Trabalho, 96% das pessoas que renunciam ao sobrenome são mulheres.
A enfermeira disse que seu sobrenome é parte integrante de sua identidade: ela construiu sua vida profissional com o nome que sempre conheceu, incluindo a publicação de textos sob ele, e mudar pareceria “ser cortada de sua carreira”, especialmente sem garantias de que os empregadores permitiriam que ela mantivesse seu nome de solteira.
O marido dela também não queria mudar o dele e, por respeito mútuo, eles se sentiram obrigados a seguir o caminho da lei comum. Seus três filhos têm o nome do marido e a família nunca sentiu que ter nomes diferentes os tornava menos unidos, um argumento frequentemente defendido por legisladores conservadores que fizeram campanha para manter o status quo enquanto controlavam a política por décadas.
A falta de vínculos legalmente reconhecidos a impossibilitou de reivindicar deduções fiscais do cônjuge e as preocupações com os direitos dos pais e de herança permanecem. Mas a nova pandemia de coronavírus aumentou a tensão e a determinação para lidar com o problema: se algum deles for hospitalizado pelo vírus, ela teme que seja difícil persuadir o hospital a compartilhar atualizações de saúde importantes.
Eles podem ter a hospitalização como família recusada, podem ser impedidos de receber informações críticas sobre o tratamento ou ser incapazes de assinar o consentimento para tratamentos médicos em nome do outro, caso haja justificativa. Contudo existem outras preocupações: como o marido dela tem direitos parentais, uma morte repentina a deixaria sem nenhum direito legal sobre os filhos, colocando estes em uma posição vulnerável.
“Se há pessoas que querem ter os mesmos sobrenomes, elas podem ter o sobrenome. Mas é estranho forçar as pessoas a mudarem de nome quando são contra isso”, disse a enfermeira.
Shuhei Ninomiya, doutor em Direitos de Família pela Universidade Ritsumeikan em Kyoto, disse que os casais podem preparar documentos como notificações de cônjuge, escrituras autenticadas e certificados de residência para tentar provar o casamento por união estável em caso de emergência. Mas “não há garantia que (o governo) aceitaria e isso não resolve o problema fundamentalmente”, disse ele.
Um grupo de cidadãos com sede em Tóquio disse que recebeu várias ligações durante a pandemia de pessoas preocupadas sobre o que fazer em caso de circunstâncias imprevistas, muito parecidas com as preocupações da enfermeira, nas quais não são legalmente reconhecidos como uma família.
“A pandemia tornou o problema mais pessoal. Quero que o público fique mais atento para que todos possam conviver com os sobrenomes que escolheram”, disse Naho Ida, 44, o diretor executivo do grupo.
A exigência – considerada obsoleta por muitos – surgiu durante o período Meiji, quando a sociedade colocava grande ênfase em grupos em vez de indivíduos, como explicou Masayuki Tanamura, professor da Universidade Waseda, o qual acredita que a lei deve refletir unidades familiares modernas.
Grande parte do público japonês parece concordar, de acordo com uma pesquisa do Cabinet Office de 2017. Dos quase 3.000 entrevistados, 42,5% apoiaram a mudança da lei da família para que os indivíduos pudessem manter seus sobrenomes após o casamento, excedendo os 29,3% dos entrevistados que discordaram.
Mas uma decisão da Suprema Corte em 2015 declarou que não havia tratamento preferencial entre homens e mulheres no código civil em relação aos sobrenomes de casais, determinando que a sentença era constitucional. Neste mês, a Suprema Corte de Hiroshima rejeitou um recurso de uma médica em um processo contra o governo para reconhecer seu nome de solteira, mantendo a primeira regra e rejeitando o recurso da reclamante, declarado inconstitucional.
O juiz do caso disse: “é necessária uma consideração cuidadosa ao mudar o sistema. Há um significado definido para os casais terem os mesmos sobrenomes,” acrescentando “você não pode dizer que a regra vai tão longe a ponto de restringir um casamento injustamente.”
Por outro lado, com base no fato de que o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres emitiu uma recomendação para mudar o sistema, o juiz acrescentou: “Espero um debate sério sobre o assunto no Kokkai.”
Apesar dos esforços para mudar, tem sido difícil perfurar o bloco de legisladores conservadores que governaram o poleiro político por décadas, argumentando o tempo todo que casais com nomes diferentes levam famílias menos unidas.
No entanto, pequenas fissuras parecem ter surgido nas fileiras conservadoras do Partido Liberal Democrata. O recém-empossado primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, disse recentemente que o tópico precisa de “discussão cautelosa” e legisladores como Tomomi Inada têm sido relativamente eloquentes sobre a necessidade de mudança.
A organização de cidadãos, criada em 2018, afirma que tem crescido a frequência às sessões de estudos sobre o tema para as quais convidam especialistas e legisladores, incluindo os de tendência conservadora.
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